domingo, 29 de abril de 2012

DO FRIO E DO FOGO

Se ainda tens voz, órgão pulsante,
Para um derradeiro grito triste;
Face ao pranto e tudo o que ouviste,
Grite as dores no som dissonante.

Verás que, ao amor, não se resiste,
Que tiveste no peito o penetrante...
sentido sublime e estonteante,
E perdeste, facilmente, o que sentiste.

Coração sintético, tu disseste...
que de nada vale amar e morrer
num leito triste, frio e repugnante.

Podes morrer de amar sem temer,
e viver, ainda, o amor que te veste
e te alimenta, órgão flamejante.
Fabio Rezende

DESAMADO

Quando eu repousar no sono frio;
Naquela inércia irreversível,
Direi, com um grito forte e inaudível:
Te amo! No papel de quem partiu.

Mesmo ali, sem vida, e num hostil...
leito mórbido, triste e invisível,
Sentirei, por ti, um amor incrível,
Que por mim, vivo, você não sentiu.

Ouvirei, na lamentação do vento,
As lágrimas de arrependimento,
Caindo no solo sobre o vazio.

Este chão encobrirá o meu repouso;
E o meu amor, este ser meio teimoso,
Te amará; triste, fraco e febril.
Fabio Rezende

sexta-feira, 6 de abril de 2012

NOBRE

Sobre os sons e bem acima dos ventos
Na liberdade que as asas dão
Tão alto, porém, tão perto do chão
de tão rápido e forte, é frágil e lento.

Exteriormente interno e, dentro...
da alma é sentido no coração
Orgão predileto da perfeição
deste sentimento nobre e sedento.

Predestinado à dependência plena
Do sentimento gêmeo; velho tema
Dos poemas de afeto, e de dor.

Arrepia a coluna vertebral
Abstrato ao ponto de ser real
Tem, entre outros nomes, o de Amor.
Fabio Rezende

sábado, 24 de março de 2012

SOFRER

Queria ser alma. Somente alma
Longe do corpo; longe dessas dores
Longe da tristeza e dos desamores
Voando sobre as brisas e sob a calma.

E, sendo alma, beijaria as flores
Na plenitude da paz, com as palmas...
Das mãos lavadas, límpidas; sem traumas
Cantaria, nos céus, os meus louvores.

Minha matéria falsa e animal
Sente-se, geralmente, imortal
Não vê que, com o tempo, perde as cores.

No fim de tudo, seremos poeira
Nas tumbas, estarão nossas caveiras
E no espaço, a alma dos sofredores.
Fabio Rezende

segunda-feira, 19 de março de 2012

AUSÊNCIA

Sou um ser diferente. Sou confuso
Sem cor ou dor, sem vida e sem reflexo
Sou sem forma, sou sem sorte e sem sexo
Sou um ângulo estranho e obtuso.

Sou a alquimia do que já é complexo
Forma sólida de gases difusos
Ferida aberta do ser contuso
Sou um livro sem capa e desconexo.

Sou tudo isso: um enorme nada
Por conta da ausência da amada
Sou, desesperademente, recluso.

Quando te vejo, sinto a existência
Que eu não tenho na tua ausência
E dessa amargura, eu não abuso.
Fabio Rezende

quarta-feira, 14 de março de 2012

ELA

Eu, que vi mil donzelas neste mundo
Vi princesas encantadoras e belas
Jamais vi beleza como aquela...
refletida no teu olhar profundo.

Sinto-me um vil mortal. Vagabundo
Ao ver-te, na perfeita aquarela
Dos traços femininos na janela
Meu sonho eterno, por um segundo.

És deslumbrante. Eu, um pobre homem
Esse meu amor por ti, me consome
Amo-te, em silêncio, numa cela.

Olhe para mim, só por um momento
No teu olhar eu fujo do tormento
E, na escuridão, o teu olhar me vela.
Fabio Rezende

CONVENCIDAMENTE

Canto como um pássaro sem asa
No canto entre o nada e o vão da luz
E, nesse nada, nada mais me seduz
As grades da solidão cercam a casa.

No meu triste coração, queimam brasas
E pesa sobre os lombos uma cruz
Meu mundo é coberto por um capuz
E eu, sozinho, canto sem minhas asas.

Preso, para sempre, na umidade
Até que eu morra na crueldade...
intrínseca e, profundamente, rasa.

Se a vida, para muitos, teve cores
A minha foi só um mar de desamores
Desse meu ser cruel que me arrasa.
Fabio Rezende

quinta-feira, 1 de março de 2012

CAUSAS NATURAIS

Fera que devora e que despedaça
Que apodrece lentamente e mata
No cárcere eterno que maltrata
Célula por célula, na desgraça.

Terror dos narcisistas... cor de prata
Terror da decadência dessa raça
Veneno transbordado duma taça
Sombra do medo dos dias e das datas.

E nós, que somos escravos temporários
Dos anos que vivermos solitários
Condenados a morte, somos fumaça.

E, depois do nosso tempo, dormiremos
Um sono que, em vida, não tivemos
No silêncio eterno das carcaças.
Fabio Rezende

domingo, 26 de fevereiro de 2012

INÉRCIA

Mergulhado em versos melancólicos
Envolto em nuvens de amargura
Escrevo a poesia da tristura
num jardim, nas brumas; no ar bucólico.

O meu desespero hoje é metabólico
Culpa da frustração; da desventura
Tornei-me, então, triste criatura
Sem meu amor desmedido e alcoólico.

Tal qual o ébrio, sem equilíbrio, eu...
fui o meu opróbrio no temor simbólico
da sombra solitária e escondida.

Sob o véu dos pobres versos estrambólicos
Com a nobre inércia de quem morreu
E a cicatriz inflamada da ferida.
Fabio Rezende

sábado, 28 de janeiro de 2012

REFLEXO


Sarcástico e irônico sorriso
Na minha face serena e tristonha
Meu pobre ser não tem força e nem sonha
Venta forte, faz frio e chove granizo

Inóspito e inabitável e liso
O solo escorregadio da medonha
Terra infértil da minha vergonha
Estranhamente, estranho tal riso

Meu silêncio é natural... é comum
Por toda parte, por lugar nenhum
Nascido por culpa da tal cegonha

Meu oponente cruel é meu espelho
Deixa-me tão ferido e de joelho
Eu sou o sintoma rude da peçonha
Fabio Rezende

DECOMPOSTO

O orgulho escorreu pela parede
A honra que eu não tive, vejo morta...
Deitada e fétida na minha porta
No meu pensar deturpado e com sede

Ai! Eu disse. Chamo-te e digo: - Vede!
Quão triste criatura, se entorta
O peito sente falta do que conforta
E me esfria no balançar da rede

Minha identificação frustrada
Sinto ser ninguém, sinto-me um nada
Onde estão os sonhos da infância?

Sem você por perto, minha amada
Sem o doce encanto da minha fada
Decomponho minha pobre substância.
Fabio Rezende

SOLIDÃO

Sinto no meu frágil peito, a tristura
Sinto uma lança que, lentamente
Aloja-se no pobre e descontente
Coração, esposo da amargura

Sinto o metal gelado, feito quente
Cortando as entranhas da ternura
Da alma cansada desta loucura
Sinto o corpo sem tato, já dormente

E, de sentir, hei de nunca mais sentir
Culpa da solidão que há sem ti
Não sabes que te amo loucamente

Na inútil discrição que eu tenho
Não mostro o sentimento, então, venho
Morrendo sozinho, assim doente.
Fabio Rezende


SILENCIO

O frio corpóreo e o aroma etéreo
A indescritível e triste sensação
Não há mais vida e nem há pulsação
Só a temperatura do necrotério

Sutilmente sinto a putrefação
Dos tecidos orgânicos... mistério
(Figura macabra do cemitério)
Na certeza mórbida da intuição

E as tumbas e os coveiros me olhando
E o ar ausente, fugia, me deixando
O clima comum: Nebuloso e funéreo

No silêncio da eternidade eu canto
Sob as pedras de barro e o amianto
Escuro e subterrâneo império.
Fabio Rezende

DO FIM

Vem ter comigo... Ó inevitável...
Companheira de todos os homens
A morbidez fatídica me consome
Vestida do pavor inconsolável

Em minha campa, repousando só
Com o carinho dos vermes no meu corpo
Não quero confessar que estou morto
E, pouco a pouco, virando pó

Hoje sou nada mais do que ossos
Sou destroços de todos os destroços
Partido em mil pedaços; desfeito

Sem forma alguma, cheirando mal
No funéreo leito natural
Não bate o coração nesse meu peito.
Fabio Rezende