sábado, 3 de dezembro de 2011

O AMOR QUE AINDA HÁ

Subiu à face um calor
Vindo do peito, sonante
Íris deveras brilhantes
Lábios cantando o amor

Sentindo a cada instante
Tamanho sintoma e fulgor
Cura o hematoma e a dor
Da sequidão berrante

Do mundo cemiterial
Sombrio, soprando o lixo
Mostrando a morte, mentindo

Falando bem do mal
Forçando a ser um bicho
Contudo, vive a paz, sorrindo
Fabio Rezende

SONETO SALINO

Corre um rio salgado, cálido
Evapora toda a tua alegria
Na correnteza que mui fria
Escorre pelo teu rosto pálido

Rosto úmido dessa agonia
Já fostes tão quente, até árido
Luzes contentes, teu hábito
De rir da vida, até o dia

Que os versos amargaram tanto
Quanto podiam fazê-lo
E agora estás tão fria

Quem dera dessa vez teu pranto
Fugisse desse meu meu zelo
Na aurora dessa poesia
Fabio Rezende

SONETO DA GRACIOSIDADE

Tu és a mais doce donzela
Desfila com graça, delicada
Do poeta a linda namorada
Suave como a brisa, tão bela

Ó poesia! Flor perfumada
Fazes da vida, esta fera
Ser colorida entre quimeras
Teus versos, beijos de fada

E assim: Teus lábios rubros, escarlates
Versejam um certo encanto, lírico
D'alma do poeta, esse romântico

Com traços um tanto empíricos
Medidos tal qual o ouro, em quilates
A ti entoam, poesia, o perfeito cântico
Fabio Rezende

VERSOS VIVOS

Hei de ver-te sem qualquer véu
Como vejo as folhas em que componho
Singelos versos de um puro sonho
Hei de abraçar-te no alto céu

Da paz vestido, alegre, risonho
És sublime, não cabes no papel
Mas, hei de provar do doce mel
E me despir do medo medonho

Hei de romper o curto tempo
Dessa vida atroz e cansativa
Irei muito além: a eternidade

Então, a morte, não mais viva
Será soprada pelo vento
Ferindo o ciclo mais covarde
Fabio Rezende

URBANIDADE

Nos grotões duma mente insana
Vives no mais longínquo outeiro
Caminhas em desatino e, primeiro
Vaga pela noite paulistana

No frio, alucinado, na suja cama
Os papéis e cobertores fuleiros
Já não cobrem teu corpo inteiro
Do frio que não sentes, nem reclama

No asfalto gelado, és invisível
Sem cor nem vida, tens só desprezo
Parte-se qual porcelana

Um dia os simples teus desejos
Teu grito agudo e inaudível
Terão voz na vida urbana
Fabio Rezende

PORTAL

Uma harpa tocava, soturna, melancólica
A angustiante e sepulcral melodia
Quimeras da mais triste sinfonia
Notas agudas, paisagem bucólica

O pranto, por mim derramado, escorria
Na memória morta, outrora eufórica
Como as dores, as minhas cólicas
Na ausência de mim, eu não sentia

Naquela canção eu me apagava
E andava num longínquo vale
E tudo o que eu sabia, já não sabia

O tempo, o espaço e os males
E aquela canção que me tocava
São hoje o passado em que eu vivia
Fabio Rezende

DESCONFISSÃO

Ouça a melodia do vento; ouça
Que eu sou as cordas dum instrumento
Ouça o pulsar do meu peito, dentro...
Do meu sensível coração de louça

Ouça a minha voz cantando ao vento
Nas notas do meu amor, linda moça
O teu olhar de fada dá-me força
De cobrir no silêncio o meu intento

Esse que o meu pranto tanto odeia
Esse meu alicerce de areia
Que eu não confesso, a ti, jamais

Meu pobre coração tem se partido
Meu nobre âmago, já consumido
Mas, sem ti, me afogo nos meu "ais".

Fabio Rezende