sábado, 24 de março de 2012

SOFRER

Queria ser alma. Somente alma
Longe do corpo; longe dessas dores
Longe da tristeza e dos desamores
Voando sobre as brisas e sob a calma.

E, sendo alma, beijaria as flores
Na plenitude da paz, com as palmas...
Das mãos lavadas, límpidas; sem traumas
Cantaria, nos céus, os meus louvores.

Minha matéria falsa e animal
Sente-se, geralmente, imortal
Não vê que, com o tempo, perde as cores.

No fim de tudo, seremos poeira
Nas tumbas, estarão nossas caveiras
E no espaço, a alma dos sofredores.
Fabio Rezende

segunda-feira, 19 de março de 2012

AUSÊNCIA

Sou um ser diferente. Sou confuso
Sem cor ou dor, sem vida e sem reflexo
Sou sem forma, sou sem sorte e sem sexo
Sou um ângulo estranho e obtuso.

Sou a alquimia do que já é complexo
Forma sólida de gases difusos
Ferida aberta do ser contuso
Sou um livro sem capa e desconexo.

Sou tudo isso: um enorme nada
Por conta da ausência da amada
Sou, desesperademente, recluso.

Quando te vejo, sinto a existência
Que eu não tenho na tua ausência
E dessa amargura, eu não abuso.
Fabio Rezende

quarta-feira, 14 de março de 2012

ELA

Eu, que vi mil donzelas neste mundo
Vi princesas encantadoras e belas
Jamais vi beleza como aquela...
refletida no teu olhar profundo.

Sinto-me um vil mortal. Vagabundo
Ao ver-te, na perfeita aquarela
Dos traços femininos na janela
Meu sonho eterno, por um segundo.

És deslumbrante. Eu, um pobre homem
Esse meu amor por ti, me consome
Amo-te, em silêncio, numa cela.

Olhe para mim, só por um momento
No teu olhar eu fujo do tormento
E, na escuridão, o teu olhar me vela.
Fabio Rezende

CONVENCIDAMENTE

Canto como um pássaro sem asa
No canto entre o nada e o vão da luz
E, nesse nada, nada mais me seduz
As grades da solidão cercam a casa.

No meu triste coração, queimam brasas
E pesa sobre os lombos uma cruz
Meu mundo é coberto por um capuz
E eu, sozinho, canto sem minhas asas.

Preso, para sempre, na umidade
Até que eu morra na crueldade...
intrínseca e, profundamente, rasa.

Se a vida, para muitos, teve cores
A minha foi só um mar de desamores
Desse meu ser cruel que me arrasa.
Fabio Rezende

quinta-feira, 1 de março de 2012

CAUSAS NATURAIS

Fera que devora e que despedaça
Que apodrece lentamente e mata
No cárcere eterno que maltrata
Célula por célula, na desgraça.

Terror dos narcisistas... cor de prata
Terror da decadência dessa raça
Veneno transbordado duma taça
Sombra do medo dos dias e das datas.

E nós, que somos escravos temporários
Dos anos que vivermos solitários
Condenados a morte, somos fumaça.

E, depois do nosso tempo, dormiremos
Um sono que, em vida, não tivemos
No silêncio eterno das carcaças.
Fabio Rezende